Rodrigo García (Prémio Europeu de Teatro – Novas Realidades Europeias, 2008) é um dos autores e encenadores contemporâneos mais presentes na nova cena europeia e é também um dos autores vivos mais representado na actualidade no espaço francófono, embora continue um autor e encenador discreto em Portugal. John Romão propõe com Gonçalo Waddington um dos textos emblemáticos da sua obra, Agamémnon - vim do supermercado e dei porrada ao meu filho, entrando na temática do mundo ultra-capitalista e ultra-consumista que se fará constante no trabalho de García.
Neste texto, Rodrigo García relata o dia de um pai de família passado com a sua mulher e o seu filho. Qual herói trágico, o homem vai ao supermercado onde adquire uma grande quantidade de coisas inúteis. Descontente, regressa a casa e descarrega na mulher e no filho, convidando-os depois a ir jantar fora. É a partir daí que se inicia uma reflexão sobre a ordem política mundial, as assimetrias económicas, o novo terrorismo e as questões de género. Este texto adquire, hoje, com a crise que atravessamos, uma nova frescura temática e formal: «Tiro tudo o que há em cima da mesa / as Coca-Colas, os restos dos molhos, tudo / Deixo o espaço limpo só para as asinhas de frango / Uma duas sete asinhas de frango / Coloco-as na mesa, cada qual no seu sítio / Perfeitas / Agarro no ketshup e escrevo bem grande na mesa a palavra: TRAGÉDIA / E o meu filho caga-se a rir / E explico-lhe que a TRAGÉDIA começa com o mundo industrializado».
SOBRE RODRIGO GARCÍA
Moralista paradóxico, Rodrigo García volta às origens do ritual do teatro – o seu papel, o seu impacto, o que está aí em jogo – activando todos os sentidos do espectador, no transcorrer de uma experiência ora íntima ora pública. Este testro espera, em todos os sentidos da palavra, uma reacção: sensitiva e intelectual, intempestiva, dubitativa. Poderíamos pensar que exagera quando nos mostra em detalhe quando cavamos as nossas próprias covas, cegamente. Mas será que é ele que exagera? Quando em realidade se empenha em que o seu teatro seja o olho do ciclone, um espaço efémero, depositório de ruído e da fúria das nossas sociedades domésticas e guerreiras. Aqui, o exagero é a condição para medir o estado das coisas.
Rodrigo García trabalha em função da cristalização dos “lugares comuns”, procura o contacto com os nossos demónios e demais mitologias contemporâneas. Nas suas fábulas, mostra como a publicidade se infiltrou em todos os lugares da nossa existência, substituindo-se à política. Arma e desarma tudo o que cremos conhecer mas que, no entanto, não queremo ver: a nossa implicação pessoal crescente neste sistema. Por isso é-lhe colocada a etiqueta de “provocador”. Mas não seria tal sentimento de provocação o sinal de que o seu trabalho desperta a nossa capacidade de ser espectadores ainda vivos, capazes de maravilhar-nos, de exercer o nosso juízo, de indignarmo-nos? O jogo insolente de teatro contra a seriedade mórbida das máscaras sociais. Rodrigo García avança sobre o campo minado do mundo, imita-o, mete-o à prova, como uma espécie de jogo, exaspera-o até fazê-lo cair dentro do teatro.
De tal salpicar perigoso surge uma arte frágil e inquieta, de reflexão e de combate. Recusando a política da avestruz, convida-nos a não perder a esperaça dos encantos da representação. Como prova de futuras sublevações alegres e emancipadoras.
Desde há uns anos, sabe enfrentar o êxito e as sirenes da fama mercantil. Irreductível à moda que o rodeia e o elogia para melhor denegri-lo depois de ter passado a onda, soube travar a espiral da produção exponencial e privilegiar a artesania de um processo de criação cada vez mais profundo.