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Velocidade Máxima
O espectáculo "Velocidade Máxima" estreou a 8 de Agosto de 2009, na Sala B do Festival Citemor (Montemor-o-Velho), com textos de Mickael de Oliveira, direcção de John Romão e interpretação de três prostitutos brasileiros residentes em Lisboa: André, Leandro e Luís.

Apresentamos aqui alguns excertos dos textos baseados em depoimentos reais dos intérpretes.

I

Os garotos de programa, eles, não discriminam, deixam entrar no seu quarto qualquer cliente, e aceitam no seu apartamento, nos quartos do lado que precisam de alugar, qualquer prostituto, ou prostituta, ou travesti e lucram, deixam entrar no mercado sangue novo e novas sensibilidades, aceitam o franco-atirador. Os garotos de programa que mandam no mercado são fascinantes porque ensinam, ensinam aos novos como podem entrar no ramo, quais os passos que devem seguir, como fazer publicidade ao seu serviço, que texto escrever e em que jornal publicá-lo e a que dias da semana; como falar com o cliente ao telefone, como não ser grosseiro, como dar-lhe tranquilidade, dizer-lhe que tudo vai correr bem. Vão aconselhar os mais novos como receber o cliente em casa, vão dizer que o melhor é oferecer uma bebida para descontrair o ambiente e não ser só foda. Vão dizer aos novatos quando é que se deve colocar o preservativo, como mexer no sexo e no ânus do cliente. Enfim, vão ensinar-lhes os protocolos anais.



II

À noite, quando não consigo dormir, reparo se respiro

e acompanho a respiração e penso na respiração

e penso que não posso parar de respirar

e que não posso deixar de pensar

que não posso deixar de respirar

Fico de barriga para baixo e coloco a mão direita no peito

para ver se o meu coração está a bater.

Sossego saber que tenho sensibilidade profunda

e averiguo se me cumpro cá dentro

E adormeço porque é necessário

mas sei que não há nem filosofia nem medicamento que me ensine

a reconhecer a importância do tacto

da frescura e da densidade de uma coisa

Conhecer a função das forças, fechar os olhos

e tocar-te

saber o que é um quilo nas minhas mãos



III

Quem manda no cosmopolitismo dita as regras do cosmopolitismo.

Quem manda no cosmopolitismo também dita as regras do multiculturalismo.

E quem manda no multiculturalismo tem um cão.


IV

Sou novo. Tenho 22 anos. Estou em Portugal há cerca de cinco, quando cheguei estava legalizado, tinha visto, e a polícia ainda não tinha o hábito de fechar as ruas do Bairro Alto para ver se havia brasileiros ilegais, como os nazis faziam nas ruas dos países ocupados para ver se havia resistentes ou judeus em qualquer casa ou café.


Quando cheguei comecei a trabalhar em restaurantes, cafés, pequenas profissões que te dão um ordenado de 500€, se tanto. E o que fazes em Lisboa com 500€? Pagas um quarto e as despesas, comes, compras um calção, compras o passe e bebes umas cervejas. Se quiseres viver mesmo, ter uma vida com um pouco de lazer, se quiseres tomar banho todos os dias, comer um gelado, enfim, se quiseres viver como um lisboeta, tens de ganhar pelo menos 1.000€. E isso não ganhamos servindo cafés. Podia subir na vida, podia, mas aqui, se és brasileiro e queres subir na vida: ou és dentista ou és puta.


(...)


Eu quero ser grande, quero ser uma estrela, entendes? Portugal é só um país para entrar na Europa. Um país para me sentir mais europeu, para receber um cheirinho da Europa. Porque a Europa não é aqui, é mais longe, é nos países onde há neve, onde há menos luz, onde temos Segurança Social a sério. A Europa é o país onde temos tudo. Eu agora estou em Portugal, mas não vou ficar lá até ter de vender um rim.
















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