O que resta depois da imagem?
O espectáculo “Só os idiotas querem ser radicais” foi criado a partir de pressupostos simples e de uma constatação generalizada que domina hoje, mais do que nunca, as relações sociais: o poder da imagem. Independentemente da qualidade de um indivíduo, da qualidade das suas ideias e acções, o que interessa é a sua imagem, o que aparenta e apresenta. No entanto, a dicotomia parecer/ser destaca-se como cada vez mais falaciosa, visto que a própria imagem se tornou mestre dessa relação e o simulacro se sobrepôs ao próprio objecto. A coisa que age é a imagem e já não a sua retaguarda.
Portanto, o teatro como mundo das aparências e dos fantasmas sociais é hoje o lugar ideal, tal como o foi durante o período barroco, para abordar esta temática. “Só os idiotas querem ser radicais” propõe, aliado ao poder da imagem, explorar o novo mundo “pop” português formado pela televisão, por produtores, por directores de publicidade e marketin
Mas o que acontece quando se descontextualiza um produto televisivo, um corpo com a beleza próxima dos padrões gregos, e se coloca num contexto de teatro contemporâneo que visa à sua transformação?
Foi o que quisemos fazer neste projecto: procurámos um jovem actor, célebre por entre uma geração, em ascensão de imagem - Ângelo Rodrigues. Famoso por ter participado na série Morangos com Açucar e Deixa-me que te leve (TVI), desempenha quase sempre papéis de jovem belo, afável e moralmente “limpo”, dentro da norma social. O ponto de partida da criação foi exactamente este: extrair e modificar Ângelo Rodrigues, sujando tanto a sua beleza física, através de “desfigurações” performativas (pelas várias “citações cénicas” de artistas plásticos que trabalharam a deformação facial nas suas próprias obras), como a sua imagem moralmente sóbria que costuma encaixar nas normas sociais, e mesmo quando a sua imagem peca em qualquer “outdoor” audiovisual, este tem de parecer um pecador arrependido. Em “Só os idiotas querem ser radicais” o trabalho de desconstrução da imagem é, por isso mesmo, fulcral, assim como a constatação segunda a qual estamos vindo a assistir, há já algumas décadas, à morte lenta dos intelectuais e das teorias constitutivas de devires sociais e artísticos possíveis, morte provocada pela asfixia de uma contemporaneidade que abandonou e abandona (cada vez mais) a formação intelectual e o domínio do pensamento dos valores fundamentais, para aquela se virar para um mundo totalmente simulacral, onde uma peça de roupa da Zara vale mais que um livro de Saramago, onde uma cara bonita tem mais peso que um largo currículo, quer seja num escritório de advogados, quer seja num teatro nacional. Haverá rebelião perante a pobreza do nosso Zeitgeist?
"Forçamos a Natureza até aos seus limites extremos (...) Pomos à prova os limites da nossa “naturalidade”, procurando pontos de referencia por toda a parte e é por isso que acolhemos todas as espécies de monstros: os fabulosos, e os teratológicos." in Mostros, José Gil