84

70Kg
M/16




Concepção, direcção e espaço cénico: John Romão
Textos: Mickael de Oliveira e John Romão
Interpretação: Bastão (João Martins), a namorada e o cão
Vídeos: André Godinho e John Romão
Desenho de luz: José Álvaro Correia
Desenho de som: Jorge Pina
Produção: Ágata Alencoão e Lara Silveira
Co-produção: Colectivo 84, Murmuriu, Penetrarte
Apoio: Câmara Municipal de Almada, Companhia Clara Andermatt
Agradecimento especial: Rómulo Pereira

APRESENTAÇÕES
25 Março 2009, 21h30, Casa Municipal da Juventude de Cacilhas - Ponto de Encontro (Cacilhas, Almada)
* integrado na Quinzena da Juventude de Almada 2009

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SINOPSE
Em 2008, no espectáculo de teatro Skaters, coloquei em cena dez jovens skaters do concelho de Almada. O Bastão era um deles. Aos 18 anos teve um brutal acidente de trabalho, enquanto servente da construção civil. Uma barra de ferro de 70kg caiu sobre o seu corpo, nas costas. Ficou em coma. Levaram-no para o hospital. Fazer skate ficou completamente fora de questão na sua vida. Passados vários meses, surpreendendo tudo e todos, voltou a praticar skate no mesmo sítio, com as mesmas pessoas, escondendo debaixo da camisola a enorme cicatriz que tem nas costas - a marca que conta o que aconteceu.
Esta história leva-me a desenvolver uma proposta cénica sobre a relação entre o esforço físico e o dinheiro, entre quem dá e quem leva, entre quem ganha e quem perde, entre quem nasce e quem morre, entre a dor e o prazer, entre a juventude e a morte. Um atentado poético que aborda os desejos, as fragilidades e as torpezas do ser humano – talvez uma temática que nunca acaba.
John Romão
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« Quero-te aqui na cama do meu quarto do apartamento dos meus pais / que me lavaram o corpo quando nasci e quando fui trespassado por 70kg / Quero estar contigo nesta torre e pensar / que é uma parte de um castelo da Eurodisney / Ficar contigo e depois seguires-me até à praça e protegeres-me / Tenho medo de andar de skate na praça onde fui espancado / Por uns tipos que batem porque sim / porque aceitaram as televisões do governo e os programas da MTV / porque não conseguiram interpretar os filmes violentos de Hollywood »
in 70Kg, excerto de texto de Mickael de Oliveira
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Da folha de sala
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Nota breve sobre 70kg
Foi a raiva e, principalmente, a frustração (e doçura) que me levaram a construir 70kg. A piedade e o perigo. O teatro não pode ser acedido sem acidentes nem perigos. Admiro os jovens mais jovens que eu, admiro os skaters, as feridas e as histórias decalcadas sem preceitos, a adrenalina incutida nos seus corpos exaustos e apaixonados. E este universo faz-me acreditar num teatro de utopia que pode existir fora do teatro, enquanto contentor físico e sobretudo daquilo que se espera que aconteça, através da sua principal convenção: a do actor. Porque o que é um teatro senão a invenção de novas paredes que impedem a poesia do que mexe?
Foi em quinze encontros descomprometidos que me fui comprometendo com 70kg, para ir percebendo a sua pertinência. Quinze encontros para chegar até hoje, aqui. A torpeza que é própria do tempo e do humano, faz-se presente nesta proposta cénica, através de corpos que não estão habituados a serem avaliados em espaços fechados por mais de uma pessoa ao mesmo tempo. 70kg não confunde a liberdade com a exposição de egos, como muitos artistas fazem nas suas “performances”. Por utilizar em cena um jovem não-actor, que é um skater (e trabalha na arqueologia), a sua namorada e o seu cão, o que vemos hoje não é uma performance. Entristece-me a ideia canonizada e prostituída de performance. O que hoje apresento é teatro, é essa a linguagem que conheço e me interessa e é este todavia o lugar reprimido pela ordem política e que levou Pasolini a dizer: “Se existe a crise da poesia é porque a crise é poesia”.
Quando digo coisas em voz alta chamam gritar. Quando digo coisas em tom baixo chamam sussurrar. Quando dizem mentiras e traições chamam democracia. Quando perco o telemóvel digo estar perdido. Quando chove a potes chamam tempestade. Quando a pele abre um novo caminho chamam ferida. Quando se escondem e mentem através de histórias ridículas chamam teatro. Quando me recuso a dizer amo-te chamam-me cobarde. Quando se duvida da fugacidade dos sentimentos chamam desconfiar. Quando se perturba a maneira de ver a vida chamam performance. Eu chamo teatro.
John Romão
(23 Março 2009)