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CRÍTICAS E MAIS ALGUNS ARTIGOS

CRÍTICA | CADA SOPRO, encenação de John Romão e Paulo Castro
por Rui Monteiro
Time Out Lisboa, 31/07/2013 (**** 4 estrelas em 5) 

"(...) As encenações de John Romão e Paulo Castro, e as interpretações sem mácula de um elenco (com Cleia Almeida, João Vaz, Pedro Gabriel Marques e Sisley Dias) em qie Ana Bustorff brilha como metal fundente, não se intimida perante a estrutura concenvional do original, tão distante dos seus hábitos (cf. Eu não sou bonota. Eu sou o porco, por exemplo). 
Investindo na construção de um ambiente sordidamente denso, onde problemas de identidade chocam com certezas dogmáticas, a montagem de Romão e Castro alimenta-se desta dialéctica, desenvolvendo cada passo da tragédia com quem tira um prodígio da cornucópia ou suga energia do interior de um buraco negro." 

 
CRÍTICA | EU NÃO SOU BONITA. EU SOU O PORCO., enc. John Romão
por Rui Monteiro
Time Out Lisboa, 26/12/2012 (**** 4 estrelas em 5) 

"(...) Começamos pelo princípio, no princípio está “Eu não sou bonita”, texto confessional, poema trágico de Angélica Liddell (n.1966) praticamente em forma de documentário e a culpa e a transferência sentimental; o corpo visto como forma de agressão, a agressão um protesto contra a perversão da família, contra uma sociedade permissiva para além da moral. Depois é o inédito semi-surrealista de Paulo Castro (n.1966), “Eu sou o porco”, três histórias onde ao crime se junta o voyeurismo de uma narradora que afinal é um ser metamórfico com pulsões feministas (facção castradora) dado ao justicialismo. Sobre estas prosas brutais, por vezes, atraentemente repulsivas, John Romão montou um circo de horrores, uma espécie de fábula simbolista erguida a partir das entranhas, que interroga para compreender mas de maneira nenhuma para perdoar.
Entre uma cornucópia iconográfica repleta de alusões ao cinema de terror mais sanguinário, à banda desenhada, à pintura de Goya e de Louis David; nas trevas ou iluminados por crucifixos talhados em néon, de qualquer maneira banhados pelo exemplar desenho de luz de Daniel Worm d'Assumpção e envolvidos pela música de Daniel Romero, os corpos deo encenador e de Solange Freitas são agredidos e agressores, puros e corruptos, vítimas e violadores cercados por códigos, regras, conveniências, imposições. Corpos que, confrontrados com a frustração do desejo e a realidade da violência, reagem, actuam, esventram ideias feitas, acentuam esterótipos prontos a implodir; lugares comuns tornados sabedoria oscilam com a precisão de um pêndulo entre o Bem e o Mal, unindo-se e afastando-se, por vezes tornando-se um enquanto disparam palavras cruas, rudes, significantes de um mal-estar, sinais de decadência, símbolos de desistência, afirmações de inacção persistente para além, e apesar, da retórica moral humanista." 




CRÍTICA | HORROR OU BREVE ESTUDO SOBRE A PARALISIA, enc. John Romão

por Rui Monteiro
Time Out Lisboa, 03/09/2011 (****4 estrelas em 5) 

É certo o velho estar prenhe do novo. Não é certo que o novo seja melhor, porque isto de evoluir nem sempre dá para o lado bom. Porém, espera-se que seja ao menos diferente, disponível para a descoberta, dedicado ao progresso, por muito romântico que o conceito agora pareça. Gritar, como se grita o mal-estar e o desejo e a utopia em Horror ou Breve Estudo Sobre a Paralisia, decerto não chega, mas é um passo, um sinal de consciência, um pauzinho na engrenagem da subserviência ao estado das coisas.
Em palco, os corpos de Bernardo Rocha, João Folgado, Mariana Tengner Barros e Miguel Cunha debatem-se como espíritos demasiado carnais entre si e consigo. Exploram-se, violentam-se, violentam, humilham-se e são envergonhados; sujeitos a escrutínio quando se põem à prova, quando procuram outra resposta, duvidosos das afirmações do costume, dos princípios que não se põem em causa por hábito; desconhecendo a convicção dos valores por já saberem tudo, porque já tudo, da religião à pornografia, está escrito, definido, pronto a consumir com ou sem manual de instruções. É como se para o simbolismo cru do texto de Mickael de Oliveira (n. 1984), encenado radicalmente por John Romão, um dia alguém tivesse nascido sem ingenuidade incorporada e tivesse de fazer todo o caminho orientado por um GPS marado, desorientado pela sobredose informativa, confundindo horror e prazer e desejo e submissão.
Este teatro não é apenas político nem reflete tão só uma inquietação ou dor de crescimento juvenil. É um teatro que intervém contra a corrente. Portanto, uma necessidade primária quando a mudança, afinal, apenas sustenta persistentemente a agonia política e social e espiritual da sociedade. E mesmo que esse desejo de acção directa esteja aqui reduzido a um vamos partir esta merda toda e depois logo se vê, é um louvável acto de guerrilha cultural capaz de chocar, como felizmente já chocou, uma crítica rodada na louvaminhação da 138ª encenação de uma dessas peças fundamentais para a humanidade debitadas em sânscrito e no convívio, quer dizer, na promiscuidade com instituições de que devia manter distância, mas cega à importância do papel social do teatro, condicionada pela ignorância a não ver como o rei, encadeado pela sua prosápia, vai vistoso, mas muito nu.


CRÍTICA | HORROR OU BREVE ESTUDO SOBRE A PARALISIA, enc. John Romão

por João Carneiro

Expresso Actual, 18/06/2011

"(...) O discurso do espetáculo organiza-se em torno de uma vontade de criticar situações de facto, numa organização social em que economia se confunde com finanças, em que prosperidade se reduz a enriquecimento individual, em que a noção de lucro financeiro configura o sistema de valores, valores esses de que acabam excluídas, inevitavelmente, quer a dimensão critica e moral quer a dimensão cultural. Um outro eixo crucial do espetáculo gira em torno da referência a uma utopia, a de um retorno a um estado animal, mais ou menos homólogo da inocência e pureza que a sociedade atual perdeu. O espetáculo tem outra questão fulcral, que decorre da fricção entre o programa conceptual dos seus criadores e os limites ou condicionalismos da representação. Este nó tensional entre criação, meios e limites é um terreno incontornável de toda a criação, e é dele que parte muito daquilo que “Horror...” tem de interessante, e que passa sempre pelos intérpretes, e pelo papel que o corpo pode ter, por si próprio, em tudo o que se liga aos processos e problemas de representação. (...) 
Tudo o que de bom existe em “Horror...” – a reação a um estado de facto, a provocação física e intelectual, a energia e a generosidade dos intérpretes e criadores, os aspetos autorreferenciais, a forte dimensão moral – sairia, para usar uma expressão coloquial e economicista, a ganhar."



CRÓNICA | A verdadeira tragédia começa em casa
por Daniel Gamito Marques
22/04/2011

AGAMÉMNON – vim do supermercado e dei porrada ao meu filho
Dizia Ortega y Gasset que, face ao misticismo, ou, podemos dizer, à mistificação, a filosofia gostaria de ser o segredo aos gritos. A filosofia, o pensamento, a atitude crítica; todos eles escancaram as portas dos segredos que nunca nos atrevemos a reconhecer em nós próprios. Mas há uma forma muito mais perigosa de fazê-los sair, e que também envolve a violência do grito: é a frustração de acabarsempre por ficar ao lado do sítio para onde nos dirigíamos. A falta de consciência pode levar a uma vida mais sossegada, mas não pode nada contra a frustração. A frustração é um furacão que consome tudo e todos à nossa volta, e não deixa ninguém escapar ileso. E pode começar de uma forma tão simples como uma ida ao supermercado que corre mal: um homem frustrado entrega-se à febre consumista para aliviar a sua frustração, traz um monte de coisas inúteis para casa, fica ainda mais frustrado quando repara nisso, e finalmente descarrega na mulher e no filho. Isto é mais verosímil que a entrada do FMI em Portugal.
Rodrigo García, o autor do texto que dá corpo à peça AGAMÉMNON, conhece os meandros da mente humana. Ele sabe como os supermercados, as catedrais do século XXI, podem perfeitamente desencadear uma fúria parecida a um qualquer fanatismo futebolístico. Não há nada a espantar aqui, já que tudo nos super-, hiper- e mega-mercados é uma receita para o desastre: a maneira como os carrinhos chiam teimosamente enquanto nos arrastamos pelos corredores, como as pessoas chocam connosco sem pedir licença, como os preços se deformam para parecerem mais baratos, como as luzes brilhantes nos enjoam os olhos e atrasam os sentidos, como a musiquinha-de-elevador irritante, sempre alta ou baixa demais, nos empurra no labirinto de prateleiras, como as coisas que precisamos se agarram a coisas que não nos fazem falta nenhuma, como os produtos estão ordenados para nos confundir e reter o maior tempo possível, e nos fazer gastar o mais possível, ou como os empregados parecem ter o ar mais infeliz deste mundo; tudo nos super-hiper-mega-mercados está lá para nos lembrar a quantidade de merda que a humanidade é capaz de concentrar num só lugar, depois de séculos e séculos de guerra, poesia e história. Será possível não detestar um sítio assim? Será possível que nos deixemos de sentir ratos de um laboratório cujas experiências desconhecemos? Se Kafka percebeu como a burocracia transforma o homem num animal, Rodrigo García conseguiu perceber como o capitalismo transforma o bicho-homem numa máquina amorfa, confusa e assustada – em suma, num raivoso à beira da loucura. García sabe do que fala: ele próprio foi um publicista, e um publicista sabe, melhor que ninguém, como a publicidade é a proxeneta do capitalismo. O capitalismo é já desumanizador que chegue, mas, como se isso não bastasse, ainda resolveram inventar técnicas rápidas e fáceis para enganar a humanidade inteira, e criar-lhe necessidades que não tem e desejos que não sente. Vivemos na mentira e da mentira, e sobrevivemos pela mentira parasitando aqueles que se alimentam de mentira, como nós. Mas quando a mentira é tão forte e está tão entranhada na nossa carnee na comida que comemos, a verdade só é verdade se for cuspida na cara de cada um. Esta é a chave para entender a dinâmica de García, e esta é também a chave para compreender a dimensão do trabalho de encenação de John Romão e o funcionamento do grupo que dirige juntamente com Mickael de Oliveira, o Colectivo 84. O que mais espanta em AGAMÉMNON não é a linguagem crua e directa de García, que aliás está traduzida de uma forma perfeita para a nossa língua lusa, mas o facto de ser a primeira vez que este dramaturgo contemporâneo é encenado em Portugal. A que se deve esta falta? O que poderá ser mais importante que isto? O Colectivo 84 está de parabéns, não só por ter dado a conhecer a força e a actualidade de García, mas, sobretudo, por ter procurado, e continuar a procurar, com as suas peças, criar uma ponte para o mundo concreto e real em que vivem os seus espectadores, um mundo livre de academismos bacocos sem pinga de utilidade. Esta abertura e atenção são coisas que não se vêem todos os dias, e às vezes nem sequer em pessoas a quem chamamos amigos.
Mas García não se fecha na frustração. Ele também reconhece como a esperança pode nascer no meio do mais fundo desespero, e John Romão conseguiu trazer à luz essa ambivalência tão humana e tão frágil através de Gonçalo Waddington, o actor que sintetiza toda uma humanidade manipulada e confusa, e que acaba por se entregar, também ele, à manipulação daquilo que pode controlar melhor, a sua própria família, porque nunca o deixaram viver em liberdade. Quem vive em violência só pode gerar mais violência, e essa é a razão para a verdadeira tragédia começar em casa. De erro em erro, tacteando às cegas num mundo entupido de estimulações sensoriais, o patriarca resolve compensar a família com um jantar num qualquer MacDonalds de auto-estrada, mas nem nessa tarefa ele consegue sair-se bem, e vai parar a um KFC. Quando a poesia surge à beira da estrada, a poesia que só pode surgir da ligação que cada um de nós partilha com a natureza, por debaixo de todas as camadas tecnológicas com que nos pintaram; quando nesse limite de alienação tudo pára e ficamos a sós com a nossa carnal natureza: aí, tudo parece possível, até mesmo a reflexão sobre os grandes problemas do mundo. Conheci e conheço muitas pessoas como este Agamémnon moderno. São pessoas que se entregam à velocidade da vida sem pensar, e que vivem freneticamente para não estarem sós e perceberem o quanto miserável é a sua própria vida. O teatro, este teatro, poderá ser-lhes útil de uma forma que nem lhes passa pela cabeça. Ele pode dar-lhes o tempo que não têm para si, e mostrar-lhes as coisas de que passam a vida a fugir. O teatro pode e o teatro deve falar a língua que as pessoas falam hoje, e não há dúvida de que este o faz. Na verdade, ele até faz mais que isso: num assomo de caridade para com os académicos deste mundo, aqueles que vão ao teatro, ele faz a ligação entre referências eruditas e a actualidade dos últimos vinte anos. García é generoso. Será que assim eles já conseguirão distinguir o que é essencial do que é acessório? Só uma conclusão é possível: Rodrigo García e o Colectivo 84 estão aí, e vieram para ficar.


Time Out Lisboa, 19/04/2011
Menu extra-large de tragédia, texto de Catarina Homem Marques

A palavra tragédia também se escreve com ketchup. Catarina Homem Marques foi perceber como em Agamémnon – Vim do Supermercado e Dei Porrada ao MeuFilho.
Parar num Kentucky Fried Chicken na beira de uma auto- -estrada parece não combinar em nada com a tragédia grega. Mas é preciso ver Agamémnon – Vim do Supermercado e Dei Porrada ao Meu Filho, no Jardim de Inverno do Teatro São Luiz a partir de quinta-feira, para tirar conclusões mais definitivas sobre este assunto.Acontece tudo num dia. E o título, como se percebe, é auto-explicativo. O protagonista deste espectáculo vai ao supermercado, compra mais coisas do que queria, não compra o que precisava, e a partir daí exerce uma desenfreada descarga de frustrações – as suas e as da sociedade em geral. “Ele representa o poder e aqui, nesta banalização, o pequeno poder que ele exerce sobre a família ou sobre os funcionários do KFC. A maneira como, de certa forma, se sacrifica o filho, faz a ponte com o sacrifício de Efigénia em Agamémnon.
A banalização é o veículo para transmitir a revolta”, explica Gonçalo Waddington, o actor protagonista deste monólogo que nesta encenação chama também três crianças ao palco. O Kentucky Fried Chicken na auto-estrada é um sintoma da actualidade do texto. O supermercado e o estado de caos a que nos leva também. “Claro que isto é uma tragédia contemporânea, esta ideia de que se fabricam produtos antes mesmo de se inventar a sua utilidade. E este homem é um anti-herói que existe agora”, diz John Romão, o encenador.
Existe de tal forma agora, está-nos tão próximo, que todos o podemos reconhecer: “Muitas das coisas que se destilam e descarregam nos familiares têm a ver com as frustrações do que nos rodeia. Não me é assim tão distante acreditar que uma pessoa venha do supermercado e se passe. Acontece. Vou comprar fraldas para os miúdos e volto sem as fraldas mas com um produto novo para lavar os vidros de que não preciso”, acrescenta Waddington.
John Romão trabalha com Rodrigo García, o autor do texto, desde 2005, e acredita na missão de trazer para Portugal autores que nunca foram encenados. “Este é um texto que alerta, que desperta para a realidade presente. Não é uma linguagem que nos diz o certo e o errado. A única coisa que nos diz que devíamos fazer é estar mais disponíveis para o desconhecido. E o conceito de máquina é que assombra este texto: a máquina económica, de poder, as armas...”, diz Romão.
De novo no KFC, o protagonista vai gritar com todos os funcionários sobre o estado da economia e vai designar sete asas de frango para representar as sete maiores potências do mundo. “E não podemos esquecer que o mais interessante aqui é a inconsequência. Ele diz tudo isto mas na verdade é um cão que ladra sozinho. E é bom podermos imaginar que ele de facto não faz nada daquilo, não dá porrada ao filho, e não passa de um desabafo”, explica Gonçalo Waddington.
No meio da violência e da descarga de frustrações, representadas por uma bateria que o actor agradece poder tocar pela primeira vez em palco, a reflexão é séria mas também melódica: “É difícil perceber em definitivo que pessoa é esta. É agressivo, mas logo depois tem uma linguagem poética e filosófica impressionante”, afirma Romão. Não é só Agamémnon, ou não é Agamémnon de todo. E pode ser Gonçalo ou qualquer um de nós.“
Para criar a confusão da identidade, fazemos uma referência a Andy Warhol, no vídeo em que come um hambúrguer e diz ‘eu sou o Andy Warhol e acabei de comer um hambúrguer’. O Gonçalo faz isso para que o espectador não se desligue do presente.” O mesmo Gonçalo Waddington que aqui se orgulha de ser actor-marioneta, depois de ter sido encenador pela primeira vez em Rosmersholm, e que incorpora neste espectáculo a linha estética de John Romão. E não, não há nenhum patrocínio do KFC envolvido.
Link: http://timeout.sapo.pt/news.asp?id_news=6848


CRÓNICA | MORRO COMO PAÍS, dir. John Romão
A gadanha daquele que ceifa, texto de Pablo Caruana Húder
Blog Festival Citemor 2010


«Las armonías Werckmeister». Así comienza la nueva obra de Colectivo 84, con una recreación del comienzo de esta película de Bela Tarr en que se representa la cosmología de un eclipse. John Romão, director de la compañía es, en escena, Janos Valuska, el poeta, el loco lúcido que dispone y hace moverse al mundo.
En “Las armonías Werckmeister” tres borrachos húngaros, bajo las órdenes de Valuska, representan el sol, la luna y la tierra en una taberna de pueblo, en noche cerrada, antes del cierre, antes de ese momento duro de volver solo a casa, a tu miseria. Los lugareños, en silencio y respeto, acogen esa paupérrima representación con respeto de ritual, atentos a la palabra de Valuska, inmersos en los giros planetarios y en la ficción pactada. Al final, cuando todos en el bar se unen y giran pues el eclipse pasó y con él la angustia del vacío, el miedo, el tabernero los expulsa a la calle.


En la obra de Colectivo, cuando todos giran, Cláudia Dias, actriz-carácter y bastión de “Morro como país”, también los expulsa. Quedan en escena ella y los otros dos actores, Cláudio da Silva y João Folgado. El texto del autor griego Dimítris Dimitriádis -que abrirá y cerrará la pieza y da nombre a la obra-, se proyecta en una gran pantalla. Cláudia aplasta con los pies una masa de pan que después de tumbada se pone sobre la cara. João gira descontrolado por el espacio. Cláudio bautiza el cuerpo muerto de Cláudia con unas flores mojadas.
Teatro de acción y texto, sin estructura aparente, que durante 100 minutos va a intentar recorrer, dar la vuelta, enfrentarse y recoger los pedazos de una sociedad que detesta y quisiera poder cambiar.
(...)



Teatro de la profanación. Un ataúd pequeño contrarresta el peso del gran coche de arena (fabricado por el escultor Pedro Mira) que preside a la izquierda del escenario de la obra. El ataúd, de madera de pino, sin ningún ornamento y que pareciera destinado a la inocencia de un crío, parece establecer un diálogo indirecto con una de las claras influencias del teatro del Colectivo 84 y especialmente de John Romão: la del creador argentino Rodrigo García. La conexión entre ambos es además cercana, Romão ha trabajado como ayudante de dirección en varios trabajos de García. (...) Romão, en cambio, utiliza el ataúd de manera contraria, desacralizando su significado. De él, los actores sacan cervezas. Su uso es el de un frigorífico. Pareciera que establece el director portugués un diálogo escénico entre ambos. La influencia de García está presente en toda la obra (tanto en elementos utilizados, en las maneras de hacer y estructurar, como en estrategias de diálogo con el público), pero con el ataúd Romão explicita una relación que pende del trabajo de Colectivo y que a lo largo de la corta vida de esta compañía ha suscitado diálogos muchas veces infructuosos: copia / originalidad, maestro /discípulo, etc.
Es difícil meterse en pantanos de comparar y querer evaluar a través de esa comparación. Pero permitámonos hacerlo, el propio Romão parece haber abierto ese diálogo en escena y quizá haya que pasar por aquí para entrar en terreno sereno y también saber ver los caminos propios de Colectivo que empiezan a ser muchos.

“Morro como País” se centra en reflejar una sociedad descompuesta y vendida, donde la inercia y el no pensar con la cabeza propia son la norma. La compañía tiene la voluntad y valentía de hablar de los problemas propios, que no exclusivos, de la sociedad portuguesa (playa y cerveza, pasado de guerra y colonia, racismo latente de “pretos y macacos”, etc.). Dinero y bienestar para cuerpos machacados por la ignominia, aplastados en su dignidad. Mentes deformadas en un vacío referencial que centran sus frustraciones en culturas de medio pelo que entronizan odio que es masoquismo y una dignidad de pecho henchido que es humillación lastrada. Pero no parece presente esa otra parte de exposición de los rincones íntimos del alma de quien tiene voz y mando en la obra, de quien está ejecutando el discurso crítico.
Cierta inclusión aparece en textos proyectados. En un momento se habla de manera expresamente naïf, como arma reivindicativa que permite recuperar cierta inocencia, de la posibilidad de un pensamiento utópico, de la posibilidad de cambiar el mundo. Aparecen también problemas propios de la compañía que son expuestos abiertamente, problemas que tienen que ver con la situación actual del teatro en Portugal. Hay un texto de pesadilla, más encerrado en lo onírico, pero son referencias, no un despojarse de todo… Parece que Colectivo 84 estuviera buscando por otras vías esa no estructura imperceptible que sostenga la obra.

(...) Esa parece la búsqueda, la de un discurso crítico pero no irónico que hable del presente, sin obviar la situación portuguesa, sin mirar para otro lado, queriendo poner en escena los problemas concretos de la sociedad portuguesa pero enmarcándolos en una lectura que englobe todo el peso y dolor, y todas las consecuencias, de la triste historia del hombre moderno. Por eso ese mismo texto empieza hablando de un niño que ya en las entrañas uterinas oye las “nuevas guerras que su madre acompañaba de fresas y chantilly frente a la televisión”. El texto se pregunta: “¿Cómo puedo comer con mis padres y nunca hablar sobre el colapso cuando sabemos que el fin no llegó ahora sino cuando escupí en las entrañas de mi madre y lloré por primera vez?”.Problema no resuelto. Problema en búsqueda.
(...) Una relación con los actores que se va afianzando en las dos direcciones. Era muy esperanzador ver el trabajo de una dureza hecha de compromiso clarividente de Cláudia Dias (venida de la danza de João Fiadeiro) y de ese gran actor que parece salido de una película sucia de Sam Peckinpach que es Cláudio da Silva.
Colectivo va encontrando sus manera de relacionarse con los actores (algo en lo que Romão parte con la ventaja del que tiene “ojo”, del que también es actor, tanto cuando vienen de la profesión como cuando se trabaja con gente no profesional, como los tres prostitutos de “Velocidade Máxima”).
Hay hallazgos de acción poética, verdaderos hallazgos de simbología y utilización del espacio y el objeto… Luego está la mirada, la mirada es tempo y también guía la escritura. El tempo es donde uno se posiciona, qué es lo íntimo y qué lo político y que dentelladas da lo uno a lo otro, y de quien son los dientes. La mirada es aquello que da el tiempo necesario de exposición y de eso que llamamos ritmo; y aquello que asienta y eleva, y verdaderamente punza. Y punza porque, al final, estamos todos dentro, en el fondo.
(Link: http://citemor.blogspot.com/2010/08/cronica-gadanha-daquele-que-ceifa.html)


Revista Sinais de Cena, Dezembro 2009
Coisas sérias e muito verdadeiras, texto de Rui Pina Coelho.
“(...) Oscilando entre um tom declaradamente infantil e um estilo ardilosamente irónico, Romão inscrevia aquele exercício de cena na sua própria vida e ficava desde logo instalada a confusão entre a verdade e a ficção de todo o aparato. Este discurso sobre a arte é depois ampliado com a presença dos três prostitutos que, usando máscaras com a cara do artista-director-intéprete, vão contando as suas histórias. Para esta narração na primeira pessoa usam as suas próprias palavras e idiossincrasias de linguagem, mas usam também, disseminadas por todo o texto, as frases eruditas e artificiosas de Mickael de Oliveira (originais, reescritas a partir de excertos de outros autores, como Nietzsche, por exemplo, ou de relatos dos intérpretes). Ainda que por vezes o tom do espectáculo estivesse perto de uma certa esfera melodramática, no que esta tem de hiperbolização de emoções (aspecto sublinhado pela presença de um pungente piano e pela agonia de alguns episódios), o tom geral era de miscigenação entre o real e o ficcionado, entre o entrevistador e os entrevistados. Velocidade Máxima é também palco para algumas cenas de antologia: uma coreografia estupenda e minimal com os intérpretes deitados no chão apenas movendo as nádegas; uma suposta chamada telefónica entre um dos intérpretes e um cliente, jogada em playback; o diálogo em que Romão, mostrando revistas de teatro a um dos intérpretes e dando o exemplo do espectáculo de Jan Fabre, Orgie de la Tolérance, tenta convencer um dos actores a enfiar a bandeira da União Europeia no ânus – diálogo pleno de duplos sentidos e que sinalizava a temática da imigração e da clandestinidade bem como a grandeza do gesto artístico; a projecção do texto “O meu dever é o de limpar a França com um canhão de água, dizia Sarkozy. / E eu digo: Devíamos limpar as ruas de brasileiros / revolucionários / ciganos / bonitos / polícias / chineses / punks / paneleiros / flores / sangue / Velocidade Máxima” enquanto a parede onde este é projectado é limpa, precisamente, por um jacto de água – gesto poeticamente fútil; e a sequência vídeo em que Romão entrevista na cama um dos prostitutos, numa explícita homenagem à vídeo-instalação “Voracidade Máxima” da dupla de artistas Dias & Riedweg, um trabalho que discute a íntima relação entre identidade, imigração, economia e prostituição através da projecção de diversas entrevistas a profissionais do sexo de origem sul-americana e que esteve na génese da criação do espectáculo. (...)” 


Jornal El Comércio (Espanha)


La borrosa frontera de la culpa, por Alberto Piquero

5/12/2009

Gijón. John Romão, director e actor na peça que otnem ocupou a caixa cénica do Teatro de la Laboral, “Velocidade Máxima”, pertence ao Colectivo 84, ano em que nasceu. E o dado não deve tomar-se em termos de inventário. Romão é uma das pontas de lança portuguesas que quer distinguir sem equívocos determinados temas e determinados modos teatrais que considera pertencentes ao tempo que lhe tocou viver na sua geração.
Não cabe nenhuma dúvida é que o seu olhar não é inocente e marca aqueles territórios onde se escondem as almas poderosas ou elusivas. “Velocidade Máxima” pertence a uma trilogia, da qual fazem parte “Hipólito, monólogo masculino sobre a perplexidade” e “70kg”. E se nestas abordou a pedofilia ou a crise da adolescência, na que apresentou durante o anoitecer de sexta-feira passada em Gijón, o encontro foi com a prostituição masculina, encarnada por três prostitutos brasileiros emigrados a Lisboa que só tiveram que representar o seu verdadeiro papel pelas ruas lisboetas
O jogo dramático expôs a nebulosa fronteira que nos separa uns dos outros, ocultos os rostos dos que traficam com o seu corpo por uma máscara de rasgos idênticos às linhas faciais de John Romão. Para além da crueza realista que logrou fazer palpitar, Romão deixou espaços para pensar, que o público aplaudiu sonoramente. A apresentação repete hoje e, no fim, haverá um encontro com o público.


La Ratonera - Revista Asturiana de Teatro
Número 28. Enero de 2010
Do you want sex? Call me, por Venancio J. Mayo Pérez


"(...) Si tuviese que definir Velocidad Máxima, la definiría como una obra de gran sensibilidad. Es una obra para corazones sensibles, pero de estómago fuerte, no tanto por lo que se pueda ver sobre el espacio escénico, como por lo que allí se siente. John Romão, proyecta el foco sobre una realidad de la que preferimos retirar la mirada, y que es la de la prostitución como medio de vida, en este caso, la de los prostitutos brasileños en Lisboa, que bien podríamos situar en cualquier otro lugar del espacio europeo o del mundo globalizado. Una mirada radical, directa, desnuda, sobre unas vidas segadas por el desamparo de un continente líder en derechos y tentaciones, siempre que éstas sean rentables y puedas pagar su precio. Una obra de denuncia, clara, con fuerza, que no se esconde, una dentellada a la injusticia, todo un recordatorio para los que pensamos que la vida puede y debe ser otra cosa. Una obra de bajo presupuesto pero de alto octanaje."
Link: http://www.la-ratonera.net/numero28/n28_velocidad.html


CRÍTICA | HIPÓLITO, texto de Mickael de Oliveira, enc. de John Romão
Ípsílon / Jornal Público (**** 4 estrelas, em 5) 
Rui Pina Coelho, 18/04/2009

O crítico norte-americano Eric Bentley, em The Life of Drama (1964) escrevia: “A violência interessa-nos porque somos violentos” e “se quiser atrair a atenção do público, use a violência; se quiser manter a atenção do público, use a violência outra vez” (pp.8,9, t.m.). Isto a propósito de Hipólito: Monólogo masculino sobre a perplexidade, um espectáculo inusitadamente “violento”, escrito para um homem (John Romão) e uma criança (Martim Barbeiro).
Conceptualmente, habita uma zona híbrida e perturbadora. Tratando do mito de Fedra, este espectáculo questiona a habitual lógica falocêntrica com que este é tratado e convoca para a sua lógica narrativa alguns relatos verídicos de vítimas de pedofilia. Há em todo o texto um despudorado negócio com o aceitável e com o necessário, suportado por uma arquitectura textual alicerçada no registo poético, na repetição e num encadeamento perifrástico (ainda que haja, pontualmente, algumas concessões a referentes mais concretos que esvaziam esta “poesia”).
O dispositivo cénico encontrado por John Romão é um achado de eficácia e consequência dramatúrgica. Assim, um homem e uma criança, em roupas quotidianas, observados por cinco crianças de papelão (de tamanho real) brincam e jogam, alternando entre momentos de grande intensidade para registos mais lúdicos (é importante referir que sempre que há texto ou cenas mais “violentas” a criança está ou com os headphones ou fora de cena). A cena inicial, em que o homem desaperta as calças da criança, sendo esta acção filmada e projectada numa tela ao fundo da sala, marca o tom do espectáculo – o de algum desconforto e o da criação de uma situação de voyeurismo.
Contudo, o incómodo vai sendo sempre substituído por uma aura de solenidade, candura e fraternidade entre os actores. Jogado entre o monólogo entregue junto do público e a instalação de momentos coreografados, o espectáculo busca constantemente arritmias e cortes súbitos, encontrados no texto, no som ou na cena. Pelo meio, há momentos de antologia: a luta/brincadeira entre o gato prateado (homem) e o lobo com mãos de leão (criança); o porco de onde saem bonecos de peluche, o piquenique de fast-food sobre o corpo esventrado do porco, etc, etc. Em suma, Hipólito é um espectáculo lúdico, mágico e maravilhosamente soturno. E justo, porque melhor do que esquecer é, provavelmente, usar a violência outra vez.